Autismo & o Corte de Cabelo

Quarentena. Crianças em casa. Cabelos crescendo.

O cabelo do Caio é bem lisinho, lambidinho mesmo, e cresce muito rápido. Logo cai no olho. E ele NÃO SUPORTA colocar a franjinha para o lado. Às vezes, inclina a cabeça para trás para poder olhar por baixo da franja.08.20.05 - Copia

Como já conversamos em alguns posts, cortar o cabelo dele é sempre um sofrimento para todos os envolvidos: eu, ele e a pessoa que está realizando o trabalho.
Uma vez, liguei para um salão infantil, marquei o primeiro horário do dia; só nós e a profissional. E, lógico, informei que se tratava de uma criança autista.

Olha, foi um dos piores momentos da minha vida! Ele gritava, se contorcia, chorava uma cachoeira. Eu o segurava no meu colo dizendo que “tudo ia ficar bem” e, a tal profissional, aquela que supostamente deveria saber lidar com crianças, só sabia repetir: “ele tem que ficar parado! Assim, eu não o vou conseguir cortar, não!”
Eu, preocupada demais com meu filho, só pensava em acalmá-lo. O segurava firme e pedia para a moça cortar logo. Mas, ela demorava ERAS querendo pentear, ajeitar, e ter a pegada certa para passar a tesoura.

O salão foi enchendo e não sei ao certo quanto tempo passamos sentados ali naquela cadeira, mas chegou uma hora em que ambos (eu e Caio) cansamos e fomos embora. Metade do cabelo cortado e a outra, má cortada. Aliás, ficou tudo uma porcaria.
Tentamos muitos salões, muitos profissionais.

O importante em se ter uma rede de apoio é que a gente consegue indicações certeiras sobre profissionais.

Um anjo, Samuel, veio a minha casa e conseguiu cortar o cabelo do menino com QUASE nenhum drama. A paciência e agilidade foram fundamentais para que a experiência não fosse tão traumática nem para o Caio, nem para mim.

Ah, é essa pessoa que cortará o cabelo do Caio para todo o sempre! – pensei.

Hahahaha, como a VIDA riu de mim naquele momento!

A vez seguinte em que, o mesmo profissional, voltou em casa para cortar o cabelo, foi a velha choradeira de sempre. Ao terminar o corte horroroso, o próprio Samuel me pediu para voltar em alguns dias para acertá-lo. Concordei… Vai que… E FOI! Caio resistiu um pouco no início, mas depois foi tranquilo.

Ainda temos nossos dramas, mas assim que puder, tio Samuel volta, porque Caio está parecendo um Beatle (franjinha + cabelo cuia). Como cresce rápido e eu tenho que ficar só cortando a franja, logo, logo vai parecer a Rita Lee.

Autismo: O Olhar que Incomoda

A criança entra na recepção do prédio e dá uma corridinha curta seguida de gritinhos, igualmente curtos.

Você olha.

Ele Balança os braços e gargalha. Alto.

Você continua olhando.

Eu não o culpo. É um momento atípico pra você e, provavelmente, está se perguntando “por que aquela criança está agindo assim?”

Acredito que, ao olhar pela segunda vez, você já tenha entendido que aquele serzinho, lindo, esperto e saudável é diferente. Portanto, deixe-o ser o que ele precisar naquele momento.20200504_083756 - Copia

No entanto, vejo você virar e inclinar a cabeça pela terceira vez por conta daqueles gritinhos estridentes. Juro, que você até parece zangado, franzindo a testa num misto de confusão e contemplação.
Pra você, aquela criança parece doidinha? “Doentinha”?

Meu caro estranho, aquela criança é atípica. Ela age e vê o mundo de uma forma diferente da que eu e você vemos. Às vezes, tão diferente que achamos que é loucura ela contemplar as gotas de chuva na janela por horas. Ou admirar o turbilhão de cores que dançam em uma bolha de sabão. Ou nutrir uma paixão inexplicável por dinossauros.

Você vê, eu vejo, ele vê.

Enquanto somos mais propensos a internalizar nossas emoções, aquela criança não se importa.  Ela não liga para o seu olhar, seu julgamento ou seu murmurinho perguntando: “o que será que ela tem?”

Aquela criança, querido estranho, é o Caio, meu filho, autista.

Autismo & A Montanha-russa de Sentimentos Na Quarentena

Mesmo em quarentena, estamos com obra em casa. O tempo, que já era pouco, ficou ainda mais escasso. Há semanas eu tenho ido à lojas de materiais de construção, marmorarias, marcenarias, mercados e onde mais for preciso.

Quando chego em casa, Caio corre em minha direção, com os braços esticados. Olho pra baixo e vejo seu rosto olhando para mim acompanhado de um sorriso sincero e feliz. Ele apoia seu queixinho em minha barriga e levanta os braços. Sei que ele quer colo, um chamego, um cheiro.

PAUSA PARA LAVAR AS MÃOS.

E, esse momento, em que sou obrigada a ignorar meu filho, maltrata tanto meu coração de mãe.

Sei que o tempo de assepsia das mãos e braços é rápido, contudo, é o suficiente para decepcionar uma criança. Ultimamente Caio tem ficado BEM chateado com isso. Não posso culpá-lo. Mas me culpo.Snapchat-582503891 - Copia

Depois de seguir todas as regras de higienização impostas pelo COVID19,  deito ao seu lado, converso com ele e pergunto como foi seu dia e digo que “agora mamãe vai ficar me casa”.
Caio coloca sua perninha fina em cima de mim, suas mãos no meu rosto e me olha. Vejo seus olhinhos vistoriarem cada ruga ou manchinha no meu rosto. Ele olha dentro dos meus olhos e sorri. Gargalha. Esse é aquele momento mágico em que a culpa e a tristeza vão embora (ou diminuem).

Aí, vem tudo junto: alegria, realização, bem-estar, contentamento.

Como toda magia dura pouco, logo que recomeça seu desenho favorito na TV, Caio me deixa de lado e vai acompanhar um novo episódio.

Decepçãozinha básica de mãe.

Essa quarentena está mexendo com o meu emocional e, talvez, eu nem sempre seja capaz de entender como as emoções do Caio conseguem ir do 8 ao 80… Mas, quanto mais o tempo passa, mais disposta estou a me adaptar e aprender a lidar com as minhas próprias emoções.  Meu amor por essa criança é grande demais para fazer qualquer outra coisa.

Beijos e continuem firmes, mamães!