Autismo: Sono & Dúvidas Maternas

É de conhecimento geral (ou deveria), que as crianças no TEA têm mais dificuldades para iniciar o sono (como já levei soco e chute na cara fazendo Caio dormir) e/ou ter uma noite inteira de sono.

Dormir não só traz mil vantagens para o corpo/metabolismo, como também “reinicia” o cérebro para um novo dia de aprendizado e de retenção de memórias.

Agora, em plena tarde, Caio (que tem espasmos ao dormir), decide cochilar na rede. O que ESTA MÃE QUE VOS ESCREVE deve fazer:

💡Ficar aqui em pé esperando as varizes crescerem e ele acordar para ter certeza de que não vai cair da rede e quebrar o queixo;
💡Sai correndo como a 🐔 de treinamento do Rocky Balboa para pegar um banquinho ou
💡 Ficar tranquila e termina de lavar a roupa?

Autismo & o Corte de Cabelo

Quarentena. Crianças em casa. Cabelos crescendo.

O cabelo do Caio é bem lisinho, lambidinho mesmo, e cresce muito rápido. Logo cai no olho. E ele NÃO SUPORTA colocar a franjinha para o lado. Às vezes, inclina a cabeça para trás para poder olhar por baixo da franja.08.20.05 - Copia

Como já conversamos em alguns posts, cortar o cabelo dele é sempre um sofrimento para todos os envolvidos: eu, ele e a pessoa que está realizando o trabalho.
Uma vez, liguei para um salão infantil, marquei o primeiro horário do dia; só nós e a profissional. E, lógico, informei que se tratava de uma criança autista.

Olha, foi um dos piores momentos da minha vida! Ele gritava, se contorcia, chorava uma cachoeira. Eu o segurava no meu colo dizendo que “tudo ia ficar bem” e, a tal profissional, aquela que supostamente deveria saber lidar com crianças, só sabia repetir: “ele tem que ficar parado! Assim, eu não o vou conseguir cortar, não!”
Eu, preocupada demais com meu filho, só pensava em acalmá-lo. O segurava firme e pedia para a moça cortar logo. Mas, ela demorava ERAS querendo pentear, ajeitar, e ter a pegada certa para passar a tesoura.

O salão foi enchendo e não sei ao certo quanto tempo passamos sentados ali naquela cadeira, mas chegou uma hora em que ambos (eu e Caio) cansamos e fomos embora. Metade do cabelo cortado e a outra, má cortada. Aliás, ficou tudo uma porcaria.
Tentamos muitos salões, muitos profissionais.

O importante em se ter uma rede de apoio é que a gente consegue indicações certeiras sobre profissionais.

Um anjo, Samuel, veio a minha casa e conseguiu cortar o cabelo do menino com QUASE nenhum drama. A paciência e agilidade foram fundamentais para que a experiência não fosse tão traumática nem para o Caio, nem para mim.

Ah, é essa pessoa que cortará o cabelo do Caio para todo o sempre! – pensei.

Hahahaha, como a VIDA riu de mim naquele momento!

A vez seguinte em que, o mesmo profissional, voltou em casa para cortar o cabelo, foi a velha choradeira de sempre. Ao terminar o corte horroroso, o próprio Samuel me pediu para voltar em alguns dias para acertá-lo. Concordei… Vai que… E FOI! Caio resistiu um pouco no início, mas depois foi tranquilo.

Ainda temos nossos dramas, mas assim que puder, tio Samuel volta, porque Caio está parecendo um Beatle (franjinha + cabelo cuia). Como cresce rápido e eu tenho que ficar só cortando a franja, logo, logo vai parecer a Rita Lee.

Autismo: O Olhar que Incomoda

A criança entra na recepção do prédio e dá uma corridinha curta seguida de gritinhos, igualmente curtos.

Você olha.

Ele Balança os braços e gargalha. Alto.

Você continua olhando.

Eu não o culpo. É um momento atípico pra você e, provavelmente, está se perguntando “por que aquela criança está agindo assim?”

Acredito que, ao olhar pela segunda vez, você já tenha entendido que aquele serzinho, lindo, esperto e saudável é diferente. Portanto, deixe-o ser o que ele precisar naquele momento.20200504_083756 - Copia

No entanto, vejo você virar e inclinar a cabeça pela terceira vez por conta daqueles gritinhos estridentes. Juro, que você até parece zangado, franzindo a testa num misto de confusão e contemplação.
Pra você, aquela criança parece doidinha? “Doentinha”?

Meu caro estranho, aquela criança é atípica. Ela age e vê o mundo de uma forma diferente da que eu e você vemos. Às vezes, tão diferente que achamos que é loucura ela contemplar as gotas de chuva na janela por horas. Ou admirar o turbilhão de cores que dançam em uma bolha de sabão. Ou nutrir uma paixão inexplicável por dinossauros.

Você vê, eu vejo, ele vê.

Enquanto somos mais propensos a internalizar nossas emoções, aquela criança não se importa.  Ela não liga para o seu olhar, seu julgamento ou seu murmurinho perguntando: “o que será que ela tem?”

Aquela criança, querido estranho, é o Caio, meu filho, autista.

Autismo: Tempo

TEMPO (substantivo masculino) – Duração relativa das coisas que cria no ser humano a ideia de presente, passado e futuro; período contínuo no qual os eventos se sucedem.

Hoje o tempo está mais aprazível.

Revendo algumas fotos, reparei que Caio gosta de balançar suas mãos e dar gritinhos enquanto caminha. Gosta de ir sozinho, na frente, sem mãos dadas, sem “amarras”. Dá uma corridinha, pára e volta para pegar minha mão. Às vezes, esquece de mim e continua correndo. Nas pontas dos pés.IMG_20190805_164720816

Particularidades que não mudam com o tempo. Ora amenizam ou intensificam, ora cessam ou ressurgem.

HOJE, não estamos mais caminhando. Estamos em casa, tentando nos adaptar da melhor maneira possível: eu, tentando explicar o que está acontecendo e ele, tentando entender.

Há um mês em sair, sem terapias e escola, vimos a rotina mudar, o ânimo faltar e a energia sobrar! As coisas não estão funcionando como deveriam, mas a gente persiste e segue caminhando para frente. Às vezes, dando umas corridinhas, outras vezes, parando e voltando um pouco.

Mas, CAMINHAMOS!

Autismo & “Essas Questões de Preferência”

Para a pessoa autista nem sempre o caminho mais rápido (ou tradicional) é o fácil; as coisas não seguem “seu rumo” e não dá para deixar a vida nos levar, porque só Deus sabe onde vamos parar. Ou se vamos sair do lugar.

Por esses motivos que, aqui em casa, lutamos para manter a rotina e seguir com o cronograma para que Caio não se sinta perdido/inseguro e se desregule. Se não tem aula, procuramos fazer um programa fora de casa naquele horário em que ele estaria com os amigos. Se tem festinha e TUDO fica barulhento de repente, levamos o tablet com fone para que ele possa se concentrar no que lhe é familiar (os desenhos), esquecer um pouco o que estava incomodando e se acalmar.IMG_20191014_155853612 - Copia

Já saímos de algumas festinhas de aniversário mais cedo porque Caio teve sobrecarga sensorial, estereotipou até cansar, deitou no meu colo e dormiu. Já saímos no meio de um filme porque Caio não parava sentado na cadeira e soltava gritinhos o tempo todo. Sempre que vamos comer pastéis no barzinho, já sentamos fazendo o pedido + a conta (porque o limite do Caio é uns 30min).  Já saí do banho com o cabelo cheio de shampoo porque Caio (que já estava deitadinho, na paz em sua cama) começou a chorar MUITO do nada (meltdown).

Na maior parte das vezes, esses momentos acontecem em casa ou entre amigos. Todo mundo super entende e sabe que nem sempre as coisas com o autista saem como o esperado. Mas, e quando acontece na rua, entre estranhos?

O prédio onde moramos é um pequeno exemplo de como o mundo não está preparado para o autismo (transtorno que não possui características físicas). O meu bloco tem dois elevadores: social e de carga.

Não sei por que bulhufas Caio decidiu que só sobe ou desce no elevador de carga. Já tentei levá-lo com o abafador de ruídos, tablet + abafador, tablet + abafador + colinho de mamãe e nada! Ele sente um verdadeiro terror ao passar pelo elevador social. Não chega nem perto da porta e fica de longe gritando, tampando os ouvidos e chorando. Olha, se eu acreditasse em fantasmas ou demônios, eu diria que aquele elevador social do meu prédio é possuído.

E como a vida não facilita, sempre encontramos com alguém no hall dos elevadores… Seja segurando a porta (nos esperando) ou dizendo: “esse aqui chegou!”.

Na primeira vez eu disse: “vou esperar o elevador de carga, obrigada!”

A outra pessoa fez cara de nojo. “Fresca!”

Bem, na segunda vez eu disse: “Caio prefere ir no de carga, obrigada”.

Depois que as pessoas entraram no elevador, foi possível ouvi-las conversando:

“E tem isso de preferência?”

“Se é meu filho, vai entrar e pronto.”

“Credo!”.

Credo! digo eu, minha cara!

Precisamos ter mais empatia com o próximo. Não sabemos das suas batalhas, nem da força que lhe resta no fim do dia. Então, caro vizinho, vá na paz! Que esse elevador tenha cabos fortes e roldanas poderosas para lhe levar até o seu andar! E que não tenha fantasmas de moradores anteriores habitando seu interior.

Resolução para o problema: é difícil subir e descer as escadas 4 ou 6 vezes por dia com Caio, mas preferimos assim. Para não ter que ouvir mais comentários sobre a minha “frescurità” e nem sobre minha “maternidade frouxa”. De quebra acompanho meu filho e, ainda faço trabalho cardiorrespiratório de graça.

 

Autismo: Bombeiro Por Um Dia

Mês passado, uma amiga me enviou um folder sobre o ‘Bombeiro por um dia’. Um evento só para crianças autistas. Não preciso dizer que fiquei super empolgada, né?! Não é todo dia que temos uma atividade tão legal voltada para crianças com transtornos sensoriais.

IMG_20170519_105806222 modifiedDescrevendo o evento em uma palavra: ‘Fantástico’!!! Absolutamente tudo foi maravilhoso! Desde a chegada até a nossa partida. Havia muito pessoal de apoio e, todos dispostos a ajudar no que fosse preciso com nossos filhos.

Logo na chegada, fomos recepcionados com sorrisos e muita simpatia. Entregaram-nos um mapa do local com informações de onde encontrar as atividades, um chapéu dos bombeiros (que Caio não usou de jeito nenhum), um balão e um certificado de ‘bombeiro por um dia’ muito fofo!

Não demorou muito Caio quis correr! Ele era só perninhas finas e gargalhadas pelo quartel! Depois de um bom tempo correndo atrás do moleque, cansados, consultamos o mapa em busca da próxima atividade e achamos legal o carro de bombeiros. Carro não, caminhão! Nem vou dizer que ele adorou! Queria logo subir…Não via a hora! Tive que conversar MUITO pedindo que esperasse a sua vez, que o amiguinho tinha que descer primeiro, coisa e tal. Caio aguardou; a contra gosto. Quando, finalmente pôde subir no veículo, não quis mais descer! Sentou em TODOS os bancos, tocou a buzina, dividiu o assento do motorista com um menino e sorriu o tempo todo!

BpuDOk, filho, está na hora de ver outras coisas!

Lá fomos nós com o Caio emburrado. Sei que ele teria ficado no caminhão a manhã inteira sem cansar, mas ainda tinha muito pra ver.

Havia uma pista de obstáculos com colchonetes, bambolês, pneus e cones. Passamos por ela, mas Caio nem ligou. Um rapaz se aproximou, chamando-o para experimentar, mas ele não quis. Depois, veio uma moça e Caio continuou balançando a cabeça negativamente. Me abaixei e disse: ‘Filho, vamos pular nos pneus?’. Ele me olhou nos olhos, sorriu, balançou as mãozinhas (flapping) e saiu correndo. E lá foi o menino, pisando nas folhas secas amontoadas embaixo das amendoeiras. Um monte delas espalhada pelo quartel. O ruído o fazia rir o tempo todo.

Correu de um lado para o outro, gargalhando subindo e descendo, até que, achou a cama de gato. Foi e voltou umas mil vezes. Sempre olhando pra gente e gargalhando. Deu uma peninha, mas…Era hora de ir para outra atividade.

Caio fez muxoxo novamente. Mas, continuou correndo e, logo abriu um sorriso quando achou uma corda grossa (por onde os bombeiros desceriam de rapel mais tarde) e ficou tentando subir e se balançar. Nessa hora, o papai entrou em ação, porque mamãe não dá conta de ficar levantando o Caio e balançando no ar as mil vezes que ele precisa até se cansar.

Mais um tempão nisso. Desta vez, ele parou a atividade sozinho e saiu correndo. Era tanto espaço que ele não sabia pra onde ir. Achou a área dos cachorros. Deu comida pra um, riu do outro, sentou, gargalhou, levantou e saiu correndo mais uma vez. Lá fomos nós atrás do Caio.

Achou o caminhão novamente. Desta vez, estavam levando as crianças para uma volta no quartel. GENTE, que tudo!!! Caio curtiu o tempo todo! Ficou super curioso com os barulhos e com tudo dentro do carro. Dava pra perceber que ele estava meio nervoso, mas curioso e excitado ao mesmo tempo. Queria tocar em tudo dentro daquele caminhão. Foi uma experiência fantástica ver meu filho curtindo tanto como qualquer criança.

Ok, filho, o passeio acabou. 😦

Caio estava tão feliz que saiu do carro e foi correr (é, ele tem esse fôlego todo). Correu, correu e achou a cama de gato novamente. Vai e volta mais dez vezes. Saiu correndo. Havia uma ponte de cordas, mas Caio era muito pequeno para aquela atividade. Então, continuamos o passeio. DSC05418Achamos um carrinho de pipoca! Lógico que paramos. O moço estendeu um saquinho em direção do Caio perguntando: ‘quer uma pipoca, rapaz?’ Ah, Caio meteu a mão no saquinho, enfiou logo duas na boca e saiu correndo. Pedi mil desculpas e…Cadê o Caio? Olhei e vi o pai correndo atrás do magrelinho.

Havia uma parede de escalada, onde as crianças pareciam curtir, mas Caio não quis experimentar por nada. Expliquei que ele colocaria o boldrié, seria suspenso e se agarraria na parede…Seria legal! Adivinha? Ele riu, balançou as mãos e fugiu novamente.

Corre pra lá, corre pra cá, já era hora de voltar para casa.

O evento tinha 3h de duração, mas iria interferir no horário da escola do Caio. Optamos por sair mais cedo e não atrapalhar sua rotina escolar. Uma pena, porque perdemos a tirolesa, o homem aranha descendo de cabeça pra baixo, a Ana e Elza sendo resgatadas do helicóptero e a simulação de incêndio onde as crianças veriam como usar a mangueira para apagá-lo.

Ano que vem, eu prometo que a gente ficará até o final, filho! É um evento singular com muita diversão pra autista e pais de autista! No caso dos pais do Caio é cansativo também!

Obrigada amiga Andressa e Londre por nos possibilitar a ida nesse evento maravilhoso! ♥

Autismo: Cinema pra autista ver

Há algum tempo, protelávamos a ida ao cinema com as crianças. Basicamente, por dois motivos:

1º. Olivia não pára!

2º. Caio é autista.

Tentei, por diversas vezes, criar essa atmosfera em casa com ambiente escurinho e pipoca. Colocava o desenho e eles NUNCA assistiam até o final. Sempre levantavam, corriam e iam brincar de outra coisa. Se não funcionava em casa, como seria no cinema?

Então, me indicaram a Sessão Azul. Uma sessão de cinema onde a criança com distúrbios sensoriais tem total liberdade de ir e vir (literalmente), o som é mais baixo e ambiente à meia luz. Decidimos encarar!

O horário de 10:30 foi perfeito,pois o shopping estava vazio. A diversão já começou aí com as crianças correndo feito loucas pelos corredores e eu, de longe, observando. Quando chegamos na área do cinema,  foi como em ‘As Crônicas de Nárnia’  quando as crianças entram no guarda-roupa e vislumbram um novo mundo…Só que esse, era o mundo do meu filho!

Por todos os lados tinha criança correndo, pulando, dando gritinhos, fazendo flapping¹ com as mãos…Pela primeira vez, não precisei conter as estereotipias²  do Caio em público com receio de ‘incomodar’ alguém. Pelo contrario, larguei a mãozinha dele e disse: ‘Vai!’

Coração ficou feliz nesse momento!2016-10-08 15.02.38.jpg

Compramos a pipoca e, logo que entramos na sala, uma pessoa (muitíssimo simpática) veio nos auxiliar, pois com 2 crianças elétricas + pipoca + refrigerante, a gente precisava mesmo de uma mãozinha. A menina nos ajudou a achar o assento e desejou um bom filme. Tratamento de primeira classe de voo internacional!

O filme começou e as crianças foram sentando pouco a pouco. Algumas deitaram no chão lá na frente, em baixo da tela. Tivemos um momento de paz por algum tempo. Claro que no meio do filme, as crianças começaram a se entediar e foram levantando uma a uma. Com Caio não foi diferente. Mas, não tem problema, já estava no finzinho do filme.

Olhei ao redor e a sala estava cheia. Famílias como a minha. Filhos como os meus. Havia uma criança subindo e descendo as escadas perto de mim e uma outra agarrada ao meu assento (por trás) assistindo o filme dali. Mas, quer saber? Eu não liguei. NINGUÉM ligou! Todos, naquele lugar, eram desejados! Todos tinham o seu espaço! Pra você, essa descrição pode ser um pouco caótica, mas, acredite, foi ótimo!

Pra mim, foi especialmente enriquecedor por 2 motivos:

1º Pude mostrar para Olivia o que é ‘diversidade’ na prática;

2º Pude ‘viver’ um pouquinho no mundo do Caio.

Foi uma experiência libertadora! Parabéns aos envolvidos e obrigada pelo carinho com os pais e atenção com os pequenos! Finalmente, pudemos ir ao cinema com as crianças! Voltaremos sempre!

¹ Flapping: movimento de balançar as mãos.

² estereotipias: movimento de autoestimulação (ou autorregulatório). A criança com autismo se utiliza desse recurso para lidar com algum estímulo externo ou sentimento (ansiedade, medo, raiva, etc).